Destaques Arquivo MPR #23

A 19 de dezembro de 1948, poucos meses depois de enviuvar, Aristides de Sousa Mendes (1885-1954) envia um cartão pessoal a Óscar Carmona, exortando o Presidente a não esquecer «aquêle que o amor do Próximo reduziu à miséria com a sua numerosa família».

Não era a primeira vez que o antigo cônsul de Portugal em Bordéus apelava ao Chefe do Estado: já em carta de 2 de abril de 1941, solicitava a intervenção presidencial perante a frágil situação financeira em que se encontrava, renovando o pedido em nova missiva datada de 1 de setembro de 1945.

A 30 de outubro de 1940, Aristides de Sousa Mendes fora condenado disciplinarmente a um ano de inatividade, com direito a metade do vencimento da categoria, e posterior aposentação compulsiva.

Na origem desta decisão, o não cumprimento das instruções da Circular n.º 14, publicada a 11 de novembro de 1939, dois meses depois do início da Segunda Guerra Mundial. Determinava que os cônsules necessitavam de autorização prévia do Ministério dos Negócios Estrangeiros para concederem vistos, entre outros, «a judeus expulsos dos países da sua nacionalidade ou de aqueles de onde provêm».

Em junho de 1940, o cônsul português assim não o fez: é desconhecido ao certo quantos vistos concedeu a refugiados (no Livro de Registo do Consulado em Bordéus contabilizam-se 2862 vistos; o número será, contudo, muito superior), mas a decisão foi inspirada, diria depois em sua defesa, «única e exclusivamente nos sentimentos de altruísmo e de generosidade de que os portugueses, (…), souberam tantas vezes dar provas eloquentes (…)» (Processo disciplinar de Aristides de Sousa Mendes / Arquivo Histórico e Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros).

Seguiram-se tempos conturbados para o diplomata, como o atesta este cartão pessoal que o Arquivo dos Presidentes – MPR guarda, tendo a seu cargo uma família numerosa e sofrendo, em 1945, uma hemorragia cerebral que o impediu de continuar a trabalhar.

Os apelos para a revisão do seu processo e para a reintegração na carreira diplomática, dirigidos às mais altas individualidades, não obtiveram resposta.

O reconhecimento chegaria, apenas, depois da sua morte: em 1966, foi declarado «Justo pelas Nações», importante distinção concedida pelo Yad Vashem a quem ajudou a salvar judeus durante o Holocausto; em Portugal, Mário Soares condecorou-o a título póstumo com a Ordem da Liberdade (1987).

A 19 de outubro de 2021, foram-lhe concedidas Honras de Panteão Nacional.

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Cartão pessoal de Aristides de Sousa Mendes para o Presidente Óscar Carmona, agradecendo as condolências pela morte da mulher (frente). Cartão pessoal de Aristides de Sousa Mendes para o Presidente Óscar Carmona, agradecendo as condolências pela morte da mulher (verso). Retrato de Aristides de Sousa Mendes. Nota de culpa redigida por Francisco de Paula Brito Júnior, instrutor do processo disciplinar instaurado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros contra Aristides de Sousa Mendes (primeira página). Resposta de Aristides de Sousa Mendes à nota de culpa emitida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros (primeira página). Chegada de refugiados estrangeiros à Estação do Rossio, em Lisboa (cota PT/TT/EPJS/SF/001-001/0076/2000O).