Destaques Arquivo MPR #29
«Esta noite podia eu morrer pela República!»
O nome de Miguel Bombarda é sobejamente conhecido dos portugueses, embora muitas vezes associado à toponímia ou ao Hospital com o seu nome, o primeiro hospital psiquiátrico do país, ou alienado como se dizia à época. No arquivo do Museu, encontramos vários documentos sobre esta figura ilustre.
Nascido em 1851, no Brasil (Rio de Janeiro), Miguel Augusto Bombarda cursou Medicina na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa. Foi clínico no Hospital de S. José, diretor do Hospital de Rilhafoles (depois renomeado com o seu nome), e professor na escola onde fez os seus estudos superiores.
Desenvolveu vasta obra nas áreas da Psiquiatria, Fisiologia e Sociologia – nas quais refletiu a sua mundividência positivista e socialista – e integrou diversas sociedades científicas nacionais e estrangeiras. Promoveu o livre acesso dos cidadãos aos benefícios das ciências médicas (a chamada «medicina social») e defendeu medidas como a legislação do trabalho, o imposto progressivo ou o divórcio civil.
Enquanto médico psiquiatra, interveio, de forma decisiva, a favor da irresponsabilidade penal dos alienados mentais: o mediático caso da pintora Josefa Greno (que assassinou a tiro o marido em 1901) e a construção do pavilhão de segurança do Hospital de Rilhafoles são alguns exemplos. «Não lhe façam mal. Ele é um doente!», terá dito logo após o atentado que sofreu, a 3 de outubro de 1910.
A morte de Miguel Bombarda sucede no mesmo dia em que, no Palácio de Belém, o Presidente da República do Brasil, Hermes da Fonseca, oferecia a D. Manuel II o último banquete da monarquia portuguesa. Na altura, pensou-se que o atentado teria sido encomendado pelos clericais, dadas as inclinações religiosas do homicida e o combativo discurso anticlerical de Bombarda.
Aparício Rebelo dos Santos (1878-1943), o assassino de Miguel Bombarda, já tinha sido internado em Rilhafoles em 1909, acometido por alucinações de ouvido, delírio de perseguição e reações violentas. Nunca se arrependeu de ter matado Bombarda, nem escondeu o ódio pelo Hospital de Rilhafoles, instituição que culpava pela sua desgraça – alegava ser atormentado pelas «vozes de Rilhafoles». Nunca foi julgado, permanecendo recolhido em instituições de apoio a doentes mentais até ao fim da vida.
Miguel Bombarda entendia que os marginais, loucos e indigentes deveriam ser vistos como vítimas, não como párias da sociedade; enquanto republicano, achava que a sociedade estava doente por culpa da Monarquia e da Igreja, que recusavam ao povo a educação e a liberdade que promoveriam o seu desenvolvimento.
Um dos líderes civis do 5 de Outubro de 1910, Miguel Bombarda faleceu nas vésperas da implantação da República. A julgar pelas palavras proferidas, perto do fim, ao amigo Pinto de Magalhães, Bombarda estaria pronto para lutar e morrer fisicamente pela causa republicana, em vez de uma morte «estúpida» causada por um «doido».