Últimas aquisições MPR #19
Em março de 1960, o Presidente da República do Peru, Manuel Prado Ugarteche, visitou Portugal. No dia 10, o Presidente Américo Tomás escreveu na sua agenda, hoje guardada no Arquivo dos Presidentes – MPR:
«16h30
Chegada, ao aeroporto da Portela, do Presidente da República do Peru.
17h30
Chá, no Palácio de Belém, ao Presidente da República do Peru, Dr. Manuel Prado, precedido da entrega de uma condecoração (Grã-Cruz de Santiago).
(com um atraso de ¾ de hora por o avião ter chegado às 17h15m.)»
Alguns meses mais tarde, no dia 10 de agosto, Américo Tomás registou:
«16h30
Entrega, no Palácio de Belém, duma condecoração da República do Peru.»
Tratou-se da Grã-Cruz com brilhantes da Ordem do Sol do Peru. Foi entregue pelo chefe da Missão Especial daquele país às Comemorações Henriquinas – uma iniciativa para celebrar os 500 anos do nascimento do Infante D. Henrique, o «Navegador», com forte pendor de propaganda das viagens marítimas e do império.
A Ordem do Sol terá sido a primeira da América Latina, no contexto dos países independentes do poder espanhol, e foi criada pelo «generalíssimo» José de San Martín, libertador do Peru, em 1821. Destinava-se a reconhecer os «guerreros libertadores, ciudadanos virtuosos y hombres beneméritos».
Em 1825, a Ordem do Sol foi extinta e cem anos após a sua criação, em 1921, foi reestabelecida pelo Presidente Augusto Leguía y Salcedo, como homenagem à memória do «Protector de la Libertad del Perú», reforçando as comemorações do centenário da independência do país. Em democracia, a Ordem do Sol do Peru, assim renomeada, ressurgiu sem prerrogativas nem privilégios para os agraciados, como símbolo da gratidão nacional.
O desenho da insígnia atual é muito próximo do original de 1821: um sol raiado em ouro (prata dourada) e uma coroa de louros contendo um círculo em esmalte vermelho e branco. Sobre o vermelho, «El Sol del Perú»; sobre o branco, «1821». Ao centro, o escudo nacional.
No presente, pode ser concedida num dos cinco graus, do mais baixo para o mais alto: Cavaleiro, Oficial, Comendador, Grande-Oficial e Grã-Cruz, mas nem sempre foi assim. A menção «com brilhantes», como a que Américo Tomás recebeu, cria uma distinção maior dentro do grau mais elevado – Grã-Cruz. As pedras preciosas – brilhantes – não o são no sentido literal, funcionam como reforço da dignidade concedida.
Associado ao grau de Grã-Cruz, outra distinção foi criada – um Grande-Colar, seguindo uma prática entretanto generalizada no mundo das Ordens Honoríficas internacionais. Aníbal Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa foram já agraciados com este Grande-Colar.
As relações entre Estados regem-se por um pressuposto de reciprocidade no atinente às Ordens Honoríficas a conceder. Seja no âmbito de uma visita de Estado, seja num outro contexto especial, como o foram as Comemorações Henriquinas, há uma expectativa de proporcionalidade: no concerto entre países, não faria sentido que um chefe de Estado concedesse uma elevada condecoração e o seu homólogo estrangeiro retribuísse uma inferior; no mínimo, seria entendido como enorme desconsideração.
Nas condecorações entre chefes de Estado, mais do que as pessoas agraciadas, trata-se de espelhar o respeito e amizade entre países. Diríamos que a troca de condecorações ao mais alto nível, após a criação das Nações Unidas, em 1945, reforça as intenções que constam do preâmbulo da sua Carta: «praticar a tolerância» e «viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos.»
Américo Tomás manteve-se Presidente da República, num regime de ditadura, até à Revolução dos Cravos, no dia 25 de abril de 1974. Exilado no Brasil, voltou para Portugal em 1978.
Manuel Prado, que tinha sido Presidente do Peru entre 1939 e 1945, voltou a exercer o cargo entre 1956 e 1962, período em que visitou o nosso país. Na sequência de eleições turbulentas, foi destituído por um golpe militar e exilado em França, onde veio a falecer.
Com a aquisição desta Grã-Cruz em brilhantes da Ordem do Sol do Peru — a banda ou faixa de seda, pendendo o distintivo, a placa para usar ao peito, no lado esquerdo, e o respetivo diploma —, a coleção do Museu da Presidência da República aumenta, valorizando-se a história das relações diplomáticas, dos seus símbolos e protagonistas.