Últimas aquisições MPR #22
Há quatro ou cinco séculos não existia a enorme variedade de móveis que hoje usamos nas nossas casas. Meia dúzia deles bastavam para assegurar as necessidades principais: deitar, sentar, guardar.
Esta mesa, provavelmente feita no século XVII, foi comprada para a coleção do Museu da Presidência da República e encontra-se no Palácio da Cidadela de Cascais. Servia para ler e escrever sobre ela, assim acham os autores que têm estudado o mobiliário. Naquela época, poucas, muito poucas pessoas não eram analfabetas, portanto só um número reduzido de casas a podia ter no seu recheio.
O nome mais antigo seria banca, que Rafael Bluteau (1638-1734), um frade estudioso da língua portuguesa, define no Vocabulario Portuguez e Latino: «bufete sobre o qual o letrado tem os livros em que estuda». Mesa seria especificamente o tampo de madeira que, neste modelo, é sempre mais largo que a estrutura onde assenta, ampliando a superfície utilizável. Na prática, percebemos que mesa, banca e bufete podiam ser usados como sinónimos.
A madeira – o afamado pau santo – e o marfim, a desenhar cercaduras e losangos, tornam esta mesa uma peça fina e sofisticada. Conhecem-se exemplares feitos com diferentes madeiras e usando outras decorações, no entanto, é comum a simplicidade com que se montam e desmontam nas suas partes: o tampo com as gavetas, as quatro pernas e as quatro travessas de ligação, unidas por discretas ferragens, quais parafusos. Eram, pois, mesas que se transportavam com facilidade, característica comum aos móveis e que perdurou.
Mesa filipina é outra designação corrente: torna claro que ter-se-á começado a usar durante a dinastia dos Filipes, reis de Espanha e de Portugal, entre nós, de 1580 a 1640. É verdade que esta classificação, baseada no estilo, traz problemas à História do Mobiliário e à História da Arte, em geral: anula aspetos singulares, desconsidera o que não se encaixa, força a unidade – parte desse pressuposto – mesmo que ela não exista.
O Palácio da Cidadela de Cascais foi construído a partir de dois edifícios preexistentes: a casa ou palácio do governador e o edifício de Santa Catarina. É muito provável que o militar mais graduado, o governador da fortaleza, tivesse uma mesa para ler e escrever na sua casa, entre o reduzido e austero recheio, aos olhos da noção atual de conforto. O mesmo podemos pensar para o período em que a Cidadela se transformou em Paço Real, a partir de 1870, quando passou a estar na moda misturar móveis de diferentes estilos e épocas, originais ou cópias.
A mesa foi posta no Palácio da Cidadela de Cascais, na sala de apoio ao quarto de dormir principal, preparado para acolher chefes de Estado em visita oficial a Portugal. Vale a pena vê-la ao vivo.