No mês em que evocamos a implantação da República, contamos a história de um objeto que nos transporta até à revolução de 1910, e que é uma das peças mais simbólicas da coleção do museu: o relógio de José Mendes Cabeçadas Júnior (1883-1965).
Nesses dias tumultuosos do início de outubro de 1910, o então segundo-tenente, que integrava a guarnição do navio Adamastor, trazia consigo o seu relógio de bolso. Garantia, assim, que cumpriria a sua parte do plano elaborado pelos republicanos: sublevar o Adamastor que se encontrava no rio Tejo, em Lisboa. Cabia-lhe também emitir um dos sinais para a saída dos revoltosos em terra. Ao início da madrugada do dia 4 de outubro de 1910, por volta da 1h, Mendes Cabeçadas puxou do relógio, confirmou a hora, e ordenou os disparos que fariam sair a revolução.
No diário de bordo do Adamastor, Cabeçadas descreveu também como na manhã do dia 4 de outubro recebeu ordens para disparar contra o Palácio das Necessidades (residência do Rei D. Manuel II), fazendo cair o estandarte real. Pelas 8h do dia 5, viu içada no Castelo de S. Jorge a bandeira verde e vermelha e foi depois informado de que a República havia sido proclamada.
O relógio acompanhá-lo-ia ao longo de toda a sua vida de oficial de Marinha e de defensor da República que ajudara a instaurar. Em 1926, foi um dos protagonistas do golpe militar do 28 de Maio. Representava os militares que ambicionavam regenerar o regime e não o seu fim. Durante 17 dias, até junho de 1926, acumulou a chefia do Estado e do Governo, até ser deposto pelo líder de uma outra corrente do movimento do 28 de Maio, o general Manuel Gomes da Costa. Durante o Estado Novo, José Mendes Cabeçadas Júnior integrou e encabeçou vários movimentos oposicionistas ao regime. Em 1947, foi-lhe decretada a reforma compulsiva, quando era vice-almirante.
O relógio de Mendes Cabeçadas é, desde a inauguração do Museu da Presidência da República (2004), a peça que abre a exposição permanente. Foi uma doação da família, na pessoa de uma das sua filhas, Maria da Graça Vieira Cabeçadas Nunes (1915-2016), que nos contou a história afetiva deste objeto, oferecido a Mendes Cabeçadas, pelo seu pai.
Em 2010, por ocasião do centenário da implantação da República, o relógio foi à Suíça para ser observado pela casa mãe – a relojoeira Longines. Foi recebido com muito regozijo, e a ocasião (em que foi limpo e sujeito a reparos pontuais) permitiu-nos ficar a saber um pouco mais sobre tão emblemático objeto.
Fazia parte de um lote de 48 unidades produzidas em 1906, tendo sido expedido para Portugal em dezembro para o representante em Lisboa que era, simultaneamente, o cônsul da Suíça na capital portuguesa, Jules Mange. Foi, então, comprado por José Mendes Cabeçadas (1855-1939) que o ofereceu ao seu filho primogénito, José Mendes Cabeçadas Júnior.
Trata-se de uma peça valiosa, de calibre L18.79ZZ, com caixa em ouro maciço, coroa e argolas banhadas a ouro e mostrador em prata, mas, para o museu, o seu significado histórico sobrepõe-se. Se fosse de latão, ou outro metal menos nobre, continuaria a ter a mesma importância e destaque no Museu da Presidência da República.
ESA