Em Lisboa e na corte, era conhecido o caso amoroso do Rei com a marquesa «nova», Teresa de Távora e Lorena, casada com o seu sobrinho, Luís Bernardo de Távora.
Pelas 11 horas da noite do dia 3 de setembro de 1758, o Rei regressava a casa, na Ajuda. A Família Real vivia na Real Barraca, palácio de madeira construído depois do terramoto de 1755, que tinha arrasado o Paço da Ribeira.
Nessa noite, o percurso não era longo: do encontro com Teresa de Távora e Lorena, no palácio de sua irmã e cunhado, duques de Aveiro, o Rei subia na sege dos óculos para o cimo da Ajuda. O palácio dos duques ficava no sopé da encosta, muito próximo do Mosteiro dos Jerónimos.
A sege era um carro pequeno, com apenas duas rodas, ideal para viagens curtas e discretas. Nessa noite, passar despercebido seria o maior desejo do Rei: além do encontro amoroso, muito pouco recomendado, estava a romper o luto decretado pela morte de sua irmã, a Rainha de Espanha, que obrigava os monarcas a fecharem-se no Paço.
Sentados, na sege, iam D. José e o sargento-mor Pedro Teixeira — lotação esgotada! As duas cortinas de couro iriam fechadas, mas os dois óculos de vidro permitiam ver o exterior sem se ser visto; fora, seguia o boleeiro a conduzir os cavalos, Custódio da Costa.
Quando passavam junto ao Pátio das Vacas, contíguo ao Palácio Calheta (hoje, dentro do Jardim Botânico Tropical), surgiram três homens a cavalo, saídos do casario. O boleeiro acelerou, mas os balázios dos bacamartes foram mais rápidos e certeiros: atingiram-no, assim como ao Rei. O monarca, consciente, mandou seguir na direção da calçada da Ajuda, para casa do seu médico, António Soares Brandão. O ferimento do Rei atingiu a omoplata direita, desceu pelo ombro e braço abaixo, até ao cotovelo; a parte superior — perto da articulação e sobre o músculo deltoide — foi a mais atingida pelos tiros: o casaco ficou com «quinze crivaduras ou buraquinhos».
A sege dos óculos foi guardada numa cocheira do Pátio dos Bichos do Palácio de Belém, na época, a Real Quinta de Belém. O «auto de corpo de delito», ou seja, a análise dos vestígios do crime deixados na sege, provavelmente com muito sangue espalhado, realizou-se no dia 3 de janeiro de 1759, naquele Pátio, como refere o «traslado autêntico», com prefácio e notas do historiador, diplomatista e paleógrafo Pedro de Azevedo, publicado pela Biblioteca Nacional em 1921 (disponível aqui).
Não chegou ao presente, mas no Museu Nacional dos Coches existe uma sege igual; podemos imaginá-la naquela noite, por pouco fatal para o monarca, a transportar o Rei D. José — triste pela morte da irmã, mas compensado com os mimos da «amiga especial» —, o sargento-mor Pedro Teixeira, criado da sua confiança, ambos sentados atrás dos óculos, e fora, a apressar os cavalos, o boleeiro, rumo à Real Barraca.
O atentado ao Rei viria dar origem a um episódio dramático da história nacional, o Suplício dos Távoras.
AT