A 28 de agosto de 1922, às 19h15, o vapor Porto deixava Lisboa, rumo ao Brasil. A bordo, seguia António José de Almeida, que tinha aceitado o convite do Presidente brasileiro, Epitácio Pessoa, para se juntar à celebração do centenário da independência daquele país.
Até à sua chegada ao Rio de Janeiro, a 17 de setembro, este antigo navio da marinha mercante alemã seria a «residência oficial» do Chefe do Estado português.
Graças ao testemunho dos jornalistas que o acompanhavam, podemos hoje reviver esses dias em alto-mar.
A bordo, António José de Almeida era um homem de rotinas: depois de se levantar, seguia-se um passeio pelo tombadilho. O almoço era-lhe servido às 13h30, por Vital Fontes, mordomo do Palácio de Belém, que o acompanhou na viagem: «raro bebia vinho», quase sempre água, «e comia alguma carne», diz-nos Norberto de Araújo, do Diário de Lisboa.
Pela tarde, sentava-se à escrivaninha para trabalhar, repousando de seguida: todos os dias, chegavam telegramas de saudação à sua mesa de trabalho, ora vindos de navios com que o Porto se cruzava, ora vindos de terras que se vislumbravam no horizonte (Açores, Madeira, Cabo Verde, São Tomé).
Jantava-se às 20h00, com o cerimonial a ser imposto por Barreto da Cruz, chefe do Protoloco da Presidência. Sucedia-se um momento de confraternização com a restante comitiva, recolhendo-se o Presidente por volta da meia-noite.
Esta rotina foi quebrada nos dias 3 e 7 de setembro: houve festa no Porto!
No dia 3, e seguindo a bordo o batalhão de Marinha que participou nas campanhas expedicionárias do Sul de Angola (1914-1915), António José de Almeida impôs as insígnias da Ordem de Torre e Espada e da Cruz de Guerra à bandeira do batalhão, numa cerimónia marcada pela grande comoção. O Hino Nacional foi ouvido, taças de champagne brindaram ao Exército e à Marinha, o rancho dos praças foi reforçado.
Já no dia 7, foi a vez de celebrar a independência do Brasil. Contratempos vários (reparações e adaptações do navio, uma greve geral, a partida tardia de Lisboa, avarias durante a viagem) impediram que o Presidente português estivesse presente nas cerimónias oficiais: chegaria, aliás, com 10 dias de atraso ao Rio de Janeiro. Mas a bordo, a festa fez-se.
No banquete de gala, António José de Almeida apresentou-se com a Banda das Três Ordens e a Legião de Honra e discursou de improviso. Outros elementos da comitiva também fizeram ouvir a sua voz durante a sessão solene: o jornalista Alcântara Correia, da revista ABC, leu um soneto de sua autoria; Barbosa de Magalhães, ministro dos Negócios Estrangeiros, proferiu umas palavras; João de Barros, da Academia de Ciências de Lisboa e da Academia Brasileira de Letras, leu um hino ao Brasil, escrito na véspera. Os chefes de Estado português e brasileiro trocaram saudações por telegrama.
Mas outros apontamentos curiosos chegaram até nós através dos relatos dos jornalistas da comitiva: Luís Derouet, do jornal O Mundo, conta-nos, por exemplo, que o Presidente, durante toda a viagem, manteve uma «admirável serenidade», nunca faltando à mesa.
Por sua vez, o já referido Norberto de Araújo partilha uma pequena nota sobre os ditames das «modas» a bordo: fato branco pela manhã; fato de passeio pela tarde; e casaca ou smoking pela noite. É sua esta descrição da indumentária do Presidente: «sapatos brancos, fato azul, de jaquetão, e boina de viagem muito nova, (…), a pala presa à mola, camisa de Oxford, castanha, sob laço cuidado».
E nas páginas da Ilustração Portugueza, um «cliché» da época revela-nos a mascote que seguia a bordo do Porto: a cabra Janota, que bebia vinho, mascava tabaco e comia bolachas de manteiga.
RC