Como nome de família ou apelido, na designação que usamos hoje, Portugal foi adotado em razão da ascendência direta ao Rei de Portugal, D. João I.
O avô de D. Manuel, D. Afonso de Portugal, bispo de Évora, só não foi duque de Bragança, cumprindo uma sucessão de Afonsos, por improváveis da história. O pai deste, bisavô de D. Manuel, foi 4.º conde de Ourém e 1.º marquês de Valença e seria 2.º duque de Bragança após a morte do seu pai. Acontece que o 1.º duque D. Afonso, filho do Rei D. João I, teve uma longa vida de 84 anos e ainda que o esperado 2.º duque tenha vivido bastante para a época – cerca de 60 anos –, morreu uns quantos meses antes do pai.
Este acontecimento determinou uma outra mudança na vida de D. Afonso, avô do primeiro dono da Quinta do Outeiro, em Belém. Na expectativa natural, por ser o filho mais velho do putativo 2.º duque, D. Afonso nunca viria a ser um clérigo, pois caber-lhe-ia o título de 3.º duque de Bragança e tudo o que tal implicava em termos de património e representação social de um grande do Reino.
Morto o seu pai e passando o título para o tio, D. Francisco, configurou-se uma situação comum aos chamados filhos segundos ou sobrinhos dos grandes titulares. Como D. Afonso já não podia vir a ser duque de Bragança, havia que perspetivar a sua vida em termos de um cargo ou função compatível com o estatuto social de parente da família real. E assim surgiu a cadeira[1]* da Sé de Évora.
Talvez porque os planos não eram os sacerdotais, quando se tornou bispo da cidade alentejana, tinha já vários filhos de uma fidalga, Filipa de Macedo, que muitos genealogistas dizem ser da família da mãe de Camões, Ana de Macedo ou Ana de Sá de Macedo.
Afonso, bispo de Évora, terá mandado construir na cidade a casa nobre da família, que ficou conhecida como o palácio do Vimioso, hoje muito alterado e pertença da Universidade. A erudição do cenotáfio – memorial, monumento de homenagem à pessoa sepultada – e a inscrição funerária ilustram a importância, no reino, deste nobre e clérigo. Esculpido em alabastro por Nicolau de Chanterene, originalmente para o convento da Graça, pode apreciar-se hoje no Museu de Évora.
O filho mais velho do bispo de Évora foi D. Francisco de Portugal, 1.º conde de Vimioso, pai de D. Manuel, o nobre e poeta que aforou aos frades jerónimos a Quinta do Outeiro, hoje o Palácio de Belém.
À época de D. Francisco de Portugal – provavelmente nascido em Évora, por volta de 1480 e falecido na mesma cidade, em 1549 –, havia poucos condes e marqueses. As casas tituladas formavam um círculo apertado, cerca de vinte, número que só aumentará – e muito, triplicará! – com a dinastia filipina.
Portanto, estamos, de facto, perante a primeira nobreza de Quinhentos. O título dado a D. Francisco é uma «prerrogativa de parentesco», como mencionou o Rei D. Manuel na carta em que enumera as razões da sua decisão: «esguardando (…) ao muito devido que connosco tem D. Afonso, bispo de Évora, meu muito amado primo” e pelos “muitos serviços que temos recebido de D. Francisco, seu filho”»[2].
Francisco de Portugal ocupou cargos de grande protagonismo na corte: foi vedor da Fazenda do Rei D. Manuel, depois do Rei D. João III, cargo partilhado com o barão de Alvito; membro do Conselho de Estado dos dois monarcas; camareiro-mor dos filhos de D. João III, primeiro do príncipe D. Manuel e depois da morte deste, do príncipe D. João Manuel, pai do futuro Rei D. Sebastião.
Além destas funções de Estado, como hoje se diria, o 1.º conde de Vimioso foi um cultor de «sentenças» – ditados ou aforismos de pendor moral, em prosa e em verso –, mas principalmente, D. Francisco foi um poeta: “«cultivou desde os primeiros anos a poesia, em que fez admiráveis progressos na maior idade». A sua produção lírica está quase toda reunida no Cancioneiro Geral de Resende”.
É caso para usar um aforismo popular a propósito de D. Manuel de Portugal e da sua reconhecida veia poética: filho de peixe sabe nadar.
A inspiração poética e o apelido manter-se-ão na família; algumas gerações à frente, vamos reencontrá-los na marquesa de Alorna, Leonor de Almeida Portugal, uma figura da cultura nacional.
Resenha genealógica
D. Manuel de Portugal, filho de
D. Francisco de Portugal, 1.º conde de Vimioso, filho de
D. Afonso de Portugal, bispo de Évora, filho de
D. Afonso de Portugal, 4.º conde de Ourém e 1.º marquês de Valença, filho de
D. Afonso de Portugal, 1.º duque de Bragança, filho de
D. João I, Rei de Portugal
[1] Cadeira ou cátedra, lugar de assento do bispo na sua catedral ou sé.
[2] Poesias e Sentenças de D. Francisco de Portugal, 1.º Conde de Vimioso. Fixação do texto, introdução e notas por Valeria Tocco. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999, 13.
AT