A 4 de novembro de 1755, a rainha D. Mariana Vitória anunciava, através de missiva* dirigida à sua mãe, a rainha Isabel Farnésio de Espanha: «Estamos todos vivos de boa saúde, mil graças a Deus».

Três dias antes, Lisboa sentiu a força de um violento sismo, ao qual se seguiram um maremoto e múltiplos incêndios.

«Em Lisboa está quase tudo por terra… e por acréscimo de infelicidade o fogo consumiu grande parte da cidade. O nosso palácio [da Ribeira] ficou meio em ruínas e o que restou ardeu quase tudo o que tinha dentro (…)», pormenorizava a rainha na mesma carta.

A decisão de D. José, em maio desse ano, de se instalar na Casa Real de Campo de Belém, atual Palácio de Belém, e de aí se tardar nos meses seguintes, acabaria, possivelmente, por determinar a sobrevivência da família real.

De facto, rapidamente se constatou que diferentes zonas da cidade de Lisboa apresentavam distintos níveis de destruição: enquanto na zona ribeirinha e oriental da cidade os edifícios, como o Paço Real, ruíram; a ocidente, para lá de Alcântara, as construções, como o Palácio de Belém, tremeram, mas subsistiram em pé.

No inquérito ordenado pelo futuro marquês de Pombal, a freguesia de Nossa Senhora da Ajuda sobressairia, assim, como uma das mais «bem livradas», o que se justifica, sabemos hoje, pela existência, na zona, do manto basáltico que forma a Serra de Monsanto, que evitou a destruição de muitos edifícios (ao invés das manchas de arenitos e calcários sobre as quais assenta, por exemplo, a zona ribeirinha da cidade).

Por isso, no rescaldo da catástrofe, uma das cinco propostas de reconstrução apresentadas pelo engenheiro-mor do Reino, Manuel da Maia, contemplava a transferência da capital para a zona entre Alcântara e Belém, onde nasceria uma «nova Lisboa» com um novo e magnífico Paço Real.

Mas regressemos ao relato de D. Mariana Vitória…

Na carta já referida, continua a revelar à mãe: «Eu corri pela escada árabe onde certamente, sem a ajuda de Deus, teria partido a cabeça ou as pernas pois não me podia aguentar (…) O Rei veio também comigo, mas mais tarde, pois tinha fugido por outro lado (…) As minhas filhas juntaram-se-me pouco depois. Desde aí, estamos em tendas no jardim grande».

Pelo relato, constatamos que a família real escapou sem danos físicos, e que o Palácio, apesar do forte abalo, resistiu: numa carta posterior, D. Mariana Vitória contava que o edifício necessitava de algumas reparações, em concreto os aposentos «dos pequenos».

Mas a dimensão da devastação deixou, inevitavelmente, a sua marca na família real e nos muitos sobreviventes da catástrofe, que se manifestou, entre outras formas, no horror em habitar casas de alvenaria.

Houve quem abandonasse de vez a cidade – o próprio Rei D. José foi aconselhado a ir para Mafra, o que recusou −, houve quem fugisse do centro e se refugiasse nos arrabaldes, habitando tendas improvisadas.

A família real fez o mesmo: no dia 5 de novembro, Abraham Castres, enviado de Inglaterra, deslocou-se a Belém para apresentar condolências a D. José, encontrando-o instalado em tendas montadas no Jardim Grande ou Jardim do Buxo.

O que foi pensado como uma solução de emergência, acabou por se tornar permanente: apesar do incómodo (D. Mariana Vitória iria queixar-se à mãe do frio que aí se sentia), a vida retomava a sua rotina.

A partir do Jardim Grande, e assistido pelo ministro do Reino Sebastião José de Carvalho e Melo, D. José ordenou as primeiras providências, entre elas, segundo os testemunhos da época, o alojamento de doentes no picadeiro de Belém, a distribuição de alimentos armazenados nas suas ucharias (despensas reais) ou a instrução para que as feras que se encontravam no Pátio dos Bichos do Palácio de Belém fossem mortas, receando que um novo abalo as pudesse soltar.

Ainda sem «casa» para habitar, o Rei toma mais uma resolução: construir no alto da colina da Ajuda, a norte do Palácio de Belém, um novo paço, resistente a cataclismos.

Sob orientação do arquiteto e cenógrafo italiano Giovanni Carlo Bibiena, e recorrendo à madeira, ao tabique e ao gesso (bem como a alguma alvenaria), nasceria a «Real Barraca da Ajuda», que albergou, a partir de julho de 1756, a família real durante perto de 40 anos.

* A correspondência entre a rainha D. Mariana Vitória e a mãe, Isabel Farnésio, encontra-se à guarda do Arquivo Histórico Nacional de Espanha.

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«The view of Bellém to the bay of the Wores»: do lado direito da gravura, o Palácio de Belém. D. Mariana Vitória de Bourbon (1718-1781), mulher de D. José. Gravura representando o terramoto de 1755: «Die Verwüstung von Lissabon der haupstadt in Portugal geschehen den 1». Jardim do Buxo ou Jardim Grande do Palácio de Belém, onde a família real residiu em tendas durante os meses que se seguiram ao terramoto de 1755. O marquês de Pombal apontando para Belém. Belém e Ajuda, na «Vista e perspectiva da Barra, Costa e Cidade de Lisboa»: no cimo da colina da Ajuda, a Real Barraca (n.º 34). Imagem gráfica do número 41 da rubrica mpr+. Retrato de D. José, pintado por Miguel António do Amaral, ca. 1773. O Jardim do Buxo que vemos hoje data de 1780, aproximadamente. No tempo de D. Manuel de Portugal, o jardim principal implantava-se nesta perspetiva, mas dividia-se por várias alturas ou cotas de terreno; tirava partido da grande vista sobre o rio Tejo que em 1559 chegava perto do muro do Outeiro.