Em 1917, foi encomendado ao artista Columbano Bordalo Pinheiro (1857-1929) o retrato oficial de Teófilo Braga como Presidente da República. Passavam dois anos desde que Teófilo Braga desempenhara funções, e Columbano era pela segunda vez encarregado de retratar o chefe do Estado do novo regime: em 1914, pintara Manuel de Arriaga.
Columbano era um dos mais importantes e promissores pintores e retratista da sua geração. Sendo republicano – e sem nunca ter retratado a família real –, a escolha do seu nome para fazer os retratos oficiais dos primeiros Presidentes da República Portuguesa parecia lógica. Era, desde 1914, diretor do recém-criado Museu de Arte Contemporânea (cargo que ocupou até à data da sua morte), e o irmão mais novo de uma família de artistas: Manuel Maria Bordalo Pinheiro (pai), Maria Augusta Bordalo Pinheiro (irmã) e Rafael Bordalo Pinheiro (irmão).
Teófilo Braga e Columbano Bordalo Pinheiro conheciam-se. Ambos republicanos, ambos envolvidos diretamente na escolha da nova bandeira nacional: Teófilo, enquanto chefe do Governo Provisório da República e o grande defensor das cores verde e vermelha; Columbano, enquanto principal membro da Comissão da Bandeira constituída por indicação do Governo Provisório, logo após o 5 de outubro de 1910, para a criação do novo estandarte nacional, que seria aprovado no dia 29 de novembro de 1910.
No espólio de Teófilo Braga, guardado pela Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, e que é possível consultar no Arquivo dos Presidentes, encontramos alguns convites de Columbano a Teófilo para visitar exposições suas. O retrato oficial do segundo Presidente da República Portuguesa revela cumplicidade entre modelo e artista ou, no mínimo, um conhecimento pormenorizado da personalidade a retratar.
Columbano apresenta-nos um homem rodeado de livros, muitos deles em desalinho, provavelmente no seu gabinete de trabalho. A pose curvada, o cabelo branco, a cor da sua pele, o olhar perdido e os lábios entreabertos, são de um homem só que se agarra a um livro como quem agarra a vida. Os tons escuros e difusos da pintura acentuam a mestria deste retrato, também psicológico, de Teófilo Braga. E se conhecermos a sua biografia, o quadro de Columbano torna-se ainda mais realista. Sabemos que à data em que foi pintado (1917), Teófilo Braga, então com 74 anos, era, efetivamente, um homem só, marcado pela morte dos seus 3 filhos e da sua mulher. O primogénito, morrera praticamente à nascença (1869), e mais tarde, num espaço de três meses (1886-1887), perde os dois filhos, de 13 e 16 anos, vítimas de tuberculose. Em 1911, morre a mulher (Maria do Carmo Xavier Braga), seu único conforto. Os seus contemporâneos, que sempre haviam comentado a secura e acidez da sua personalidade, solidarizaram-se com a sua perda, reunindo em livro e dedicando-lhe vários escritos a que chamaram «A maior dor humana», a partir de um poema de Camilo Castelo Branco.
No seu arquivo, encontramos uma carta de João Barreira (1866-1961) onde o crítico de arte tece vários elogios ao retrato que acabava, então, de ser conhecido: «Ao contemplá-lo, vê-se logo que foi feito com a atenção tenaz e a penetração paciente de quem se encontra diante de uma fisionomia representativa de uma mentalidade forte […]». O elogio à mestria de Columbano terminava com a comparação a Hans Holbein, o jovem (c.1497-1543), um dos maiores retratistas do século XVI, autor de vários retratos de Erasmo de Roterdão. Dizia João Barreira: «O retrato de Teófilo Braga, pela aguda e amorosa observação com que foi pintado há-de ser nas galerias do futuro o nosso retrato de Erasmo.»
Neste ano, em que assinalamos o centenário da morte de Teófilo Braga, deixamos a sugestão de ver, ou rever, esta obra notável de Columbano Bordalo Pinheiro, no Museu da Presidência da República. Até setembro, pode também visitar a exposição que evoca esta efeméride: «Teófilo Braga (1843-1924): No centenário da sua morte».
ESA
Referências bibliográficas:
- Raquel Henriques da Silva, «A galeria de retratos do Palácio de Belém» in Museu da Presidência da República, Lisboa, CTT/MPR, 2004, pp. 76-85.
- José-Augusto França, A Arte em Portugal no Século XIX, Lisboa, Bertrand Editora, 1990.