Das muitas fotografias dos combates da revolução republicana de outubro de 1910 que chegaram até aos nossos dias, são conhecidas pelo menos duas em que aparece a mesma bandeira a ser exibida por um grupo de revolucionários civis e militares. De grandes dimensões, tinha no meio uma esfera com uma meia-lua que no interior ostentava uma data (20-07-1909). A encimar a esfera, as iniciais C.P.D. e por baixo a divisa «Justiça e Liberdade». Além da imprensa portuguesa, também em Espanha, pelo menos, foram publicadas as mesmas imagens, divulgando, assim, a revolução portuguesa.
É igualmente pelas reportagens da época, profusamente ilustradas com fotografias, que sabemos que aquela não foi a única bandeira a ser hasteada nos vários locais dos combates. Os testemunhos de quem viveu aqueles momentos dizem-nos isso mesmo. Machado Santos, um dos principais protagonistas da revolta que depôs a Monarquia, no seu relatório sobre a revolução, incluiu um desenho da bandeira que foi hasteada pelos navios e regimentos que participaram na revolta e que terá sido semelhante à que foi depois içada no mastro dos Paços do Concelho de Lisboa, ao ser proclamada a República. Nenhuma dessas bandeiras (ambas com cores e simbologia da Carbonária) era, porém, a que referimos.
O que terá, então, levado ao protagonismo dessa bandeira? Talvez as suas grandes dimensões (182 cm alt. × 242 cm larg.), cores e inscrições a tornassem particularmente atrativa para os repórteres fotográficos que procuravam imagens diferentes para a posteridade. Importa não esquecer que na agitação que se viveu naqueles dias, quem saiu vitorioso queria festejar, fazendo-o com o que tinha disponível. Nalgumas fotografias, como já se disse, veem-se outras bandeiras além desta, embora – é certo – não tão grandes. Talvez esteja aí o motivo do seu protagonismo, pois o que se pretendia era exibir a vitória.
Um dia, ao procedermos ao tratamento do espólio do Presidente António José de Almeida, que se encontra no MPR, percebemos que a bandeira das fotografias era a mesma que estávamos a acondicionar. De repente, deixou de ser a preto-e-branco (como nos habituáramos a ver nas fotografias) e ganhou cor: com um fundo verde sobre o qual haviam sido cosidos números e letras vermelhas. Percebemos, depois, que era um dos objetos do 5 de Outubro de 1910 guardados por António José de Almeida, protagonista do movimento republicano e que fez parte do Governo Provisório constituído imediatamente após a queda da Monarquia. Localizámos, também no seu arquivo, uma carta que identifica a pessoa que lhe terá confiado simbolicamente a bandeira: Carlos de Magalhães Ferraz, um fervoroso republicano que antes do 5 de Outubro de 1910 participara na revolta republicana fracassada do 31 de Janeiro de 1891, no Porto. Encontrámos na bandeira a etiqueta de origem que nos levou a uma loja histórica da baixa lisboeta, que ainda existe (Primeira Casa das Bandeiras, na Rua dos Correeiros), e que participou depois, na sequência do 5 de Outubro, na elaboração da primeira bandeira nacional. Infelizmente, não lhes restou nenhuma documentação que traga mais alguma luz sobre a bandeira.
Continuamos, pois, sem saber a que corresponderiam exatamente a data (20 de julho de 1909) e a sigla (C.P.D.), embora a simbologia das cores e das formas nos remetam para a iconografia de organizações secretas como a Carbonária ou dos centros republicanos que no início do séc. XX proliferaram pelo país. Poderia pertencer, pois, a um Centro de Propaganda Democrática (C.P.D.) criado no dia 20 de julho de 1909.
Se ficou curioso/a em conhecer esta peça histórica, saiba que pode agora ver este testemunho da nossa História recente, na exposição «António José de Almeida e a "viagem gloriosa" ao Brasil». Veja com os seus próprios olhos e junte-se a nós na procura do seu significado.
[Uma nota de agradecimento a Margarida M. Silva, da Primeira Casa das Bandeiras, pela disponibilidade e cedência de uma imagem.]
ESA