A 10 de dezembro de 1925, Manuel Teixeira Gomes punha um fim prematuro ao seu mandato presidencial, alegando razões de saúde.
No dia seguinte, o Diário de Lisboa dava conta de que, na véspera, «o grande pintor Columbano, que há dias acabara o retrato do (…) Presidente», tinha com ele almoçado no Palácio de Belém.
Não era a primeira vez que Columbano Bordalo Pinheiro retratava um Presidente da República: em Belém, já se encontravam os óleos de Manuel de Arriaga e Teófilo Braga*.
E não era a primeira vez que Teixeira Gomes se deixava retratar por Columbano: em outras duas ocasiões já tinha posado para o artista.
Entre retratado e retratista vingava, por essa altura, uma amizade antiga, que recuava até 1911, data desses primeiros retratos.
Dias depois do noticiado almoço, a 17 de dezembro, figurava o pintor entre a multidão que se despedia, junto ao Tejo, do Presidente, na partida para o exílio a que este se propôs.
Durante o périplo que se seguiu, Teixeira Gomes partilhou com Columbano várias reflexões sobre a Arte, resultado das suas experiências estéticas, que chegavam ao pintor em forma de cartas enviadas de lugares como Argel e Bône (Argélia), Florença e Pisa (Itália), ou Versalhes e Rouen (França).
Doze dessas epístolas integraram o livro Cartas a Columbano, publicado em 1932, já o pintor tinha falecido (1929).
Na décima carta, datada de 30 de abril de 1927, e remetida de Tunes, Teixeira Gomes recordava a mestria com que Columbano tinha incluído duas peças da coleção do Palácio de Belém no seu retrato oficial:
«Nunca esquecerei a transformação por que passaram, diante dos meus olhos maravilhados, a piscina [aquário] chinesa e a floreira Império (…). Esses dois objetos deliciosos surgiram, primeiro, como um realismo inultrapassável (…). Mas como estavam longe daquilo em que haviam de ficar! Todos os dias em que o artista a eles voltava recebiam como que um bafo de vida nova. Duas pinceladas bastavam para lhes acrescentar volume (…); e por fim eles lá ficaram, discretos e oportunos, sem ar de querer competir com a figura, mas tornando-se-lhe indispensável a ponto de me ser impossível reportar-me ao retrato sem reproduzir também os acessórios».
Embora confessasse que este seria o menos feliz dos três retratos que Columbano lhe pintou, no posfácio do mesmo livro, escrito já depois da morte do pintor, repassava:
«No meu retrato oficial, (…), onde ele se esforçou em pôr tudo quanto sabia, houve um momento prodigioso: faiscavam-lhe os olhos, movia-se, falava… Compreendia-se que a arte atingira os seus inultrapassáveis limites. Ainda tentei interpor a minha autoridade para impedir que lhe tocasse mais. O artista, porém, via mais além; via o irrealizável; e tanto o procurou que, embora forte e empolgante como poucas, a obra saiu inquieta e como que atormentada; frustrada quase, ao lado da serena e larga interpretação que ele deu ao Arriaga e ao Teófilo. Mas o que há de extremamente curioso neste quadro é o seu acentuado carácter “baroco”, (…), e que aqui se intensificou na febre de apreender a expressão, o movimento, o gesto, a vida».
Nas mesmas páginas, por fim, e em forma de homenagem póstuma, discorria sobre o amigo:
«Morreu, é certo, porém o calor dessa chama não se extinguiu; ainda o sinto; anda comigo; não o quero perder. (…) a sua vida foi um exemplo ininterrupto de dignidade intelectual, moral e estética, e a obra que deixou revestiu várias maneiras sem ter nunca uma falha notável ou desfalecimento artístico».
* Em 1923, Columbano retratou – sentado na Cadeira dos Leões e envergando a Banda das Três Ordens – o Presidente António José de Almeida, para o Palácio de Luanda, a residência oficial do alto-comissário da República em Angola, ao tempo o general Norton de Matos. O retrato encontra-se, atualmente, com paradeiro desconhecido.