«Chegou o momento solene da cerimónia e todos se põem de pé. Forma-se um silêncio espesso, que a voz do Sr. Teixeira Gomes começa a cortar com as palavras do juramento. A princípio muito baixa, estrangulada pela emoção, logo se eleva, domada, […]. E é firmemente, que o novo Presidente da República conclui o juramento de fidelidade à Constituição».

Foi com estas palavras que o jornalista Consiglieri Sá Pereira descreveu a tomada de posse de Manuel Teixeira Gomes, nas páginas do «Diário de Lisboa».

Estávamos a 5 de outubro de 1923. Dias antes, a 3 de outubro, Teixeira Gomes desembarcava no Arsenal da Marinha, envergando um «chapéu mole, fato de passeio, [e] julgamos que uma delgada "badine" [bengala] nas mãos», relatava o mesmo jornal.

Chegava de Londres, onde desempenhara o cargo de embaixador: primeiro, entre 1911 e 1918; depois, regressando à Legação em 1919.

A proximidade com a família real britânica, que conseguiu granjear, foi razão do convite do Rei Jorge V para passar dois dias no Castelo de Balmoral (Escócia), a poucos dias de deixar Inglaterra.

Mais manifestações de homenagem houve, como o jantar no Claridge’s Hotel, organizado pela Portuguese Chamber of Commerce and Industries, ou o banquete de despedida na Lancaster House, a 26 de setembro, com a presença de 60 personalidades.

Num derradeiro tributo, a Coroa britânica disponibiliza o cruzador «Carysfort» para a viagem de regresso a Portugal.

Manuel Teixeira Gomes tinha sido eleito meses antes, a 6 de agosto de 1923, pelo Congresso da República, com o apoio do Partido Democrático, liderado por Afonso Costa. Assegurou a vitória ao terceiro escrutínio, ultrapassando em votos outro histórico republicano, Bernardino Machado, candidato pelo Partido Nacionalista.

Não era a primeira vez que o seu nome ia a sufrágio: em 1919, perdera a chefia do Estado, numa disputa acesa, para António José de Almeida.

Quatro anos depois desta derrota, a 12 de junho de 1923, assim respondia ao repto lançado por Afonso Costa para se apresentar, uma vez mais, como candidato: «Não sirvo para a Presidência da República, e se por acaso as circunstâncias para aí me levarem, um dia teremos um fiasco mais».

Dias antes, numa missiva dirigida ao amigo e antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Soares, apontava algumas das razões que o tornavam, segundo o próprio, inadequado para o cargo: o parco conhecimento dos «homens que lidam com a política», o estado da sua saúde e «os embaraços da […] vida particular».

Assegurava, com veemência, que continuava «no propósito de nunca apresentar a minha candidatura à Presidência, lamentando que a amável cegueira dos meus amigos, e a ilusão de outros bons republicanos, […] se obstinem em pensar em mim, para um cargo que exige tantos predicados que me faltam».

A verdade é que, pouco depois, recua na sua decisão, almejando a criação de um governo de reconciliação nacional, liderado por Afonso Costa, para enfrentar os problemas do país.

Mas os ventos não sopraram de feição. A 10 de dezembro de 1925, cumprida metade do seu mandato, renunciava ao cargo, alegando razões de saúde.

«Dentro do meu papel de Presidente constitucional, não podia fazer mais do que aquilo que fiz. E quando vi que não podia fazer nada, vim-me embora», diria, 13 anos mais tarde, já no exílio a que voluntariamente se votou («O Exilado de Bougie», de Norberto Lopes).

RC

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Reportagem da «Ilustração Portugueza» sobre a eleição de Manuel Teixeira Gomes, a 6 de agosto de 1923, pelo Congresso da República. Manuel Teixeira Gomes a bordo do cruzador «Carysfort», na chegada a Lisboa. Ao seu lado, António Maria da Silva, presidente do Ministério, e Domingos Pereira, ministro dos Negócios Estrangeiros. Reportagem da «Ilustração Portugueza» sobre a chegada de Manuel Teixeira Gomes a Lisboa, a 3 de outubro de 1923. A galeota que transportou Manuel Teixeira Gomes do cruzador «Carysfort» até ao Arsenal da Marinha, na sua chegada a Lisboa. Capa da «Ilustração Portugueza», com fotografia alusiva à tomada de posse de Manuel Teixeira Gomes, a 5 de outubro de 1923. Manuel Teixeira Gomes, Presidente da República entre 1923 e 1925. Imagem gráfica da rubrica de novembro do mpr+ O Presidente da República Manuel Teixeira Gomes, no Palácio de Belém, após ter assumido a chefia do Estado. O Presidente da República Manuel Teixeira Gomes desce as escadas, para embarcar no cargueiro holandês «Zeus». Após uma longa viagem, fixou-se em Bugie, na Argélia, o local escolhido para se auto-exilar até à morte.