O negócio jurídico entre o Rei D. João V e o 3.º conde de Aveiras, em 1726, teve como objeto a quinta de Belém – a área que corresponde hoje ao Palácio e jardins e pequenas casas confinantes.

O Rei fez-se representar por um procurador, o seu secretário de Estado, D. Diogo de Mendonça Corte-Real; o conde de Aveiras, D. João da Silva Telo de Menezes, «por estar impedido de moléstia», fez-se representar pelo seu filho, D. Luís.

No mesmo negócio, fez parte também frei João de Santa Doroteia, procurador de toda a comunidade de monges do Mosteiro de Santa Maria de Belém da Ordem de S. Jerónimo – os conhecidos jerónimos. E porquê? Porque sobre a quinta recaíam dois tipos de posse: uma tinha que ver com a propriedade efetiva, outra com o seu uso, mas ambas constituíam direitos patrimoniais. Havia lugar, pois, no ordenamento jurídico daquele tempo, ao senhorio ou domínio direto e ao senhorio ou domínio útil.

Cerca de dois séculos antes da compra régia de 1726, o trisavô do 3.º conde de Aveiras, D. Manuel de Portugal, em 1559, tinha aforado a propriedade que era agora vendida a D. João V. Este contrato de aforamento – ou enfitêutico – criava a tal situação dúplice sobre a quinta de Belém ou quinta do Outeiro das Vinhas, como era chamada a propriedade nesses longínquos anos de Quinhentos. Os frades jerónimos, donos das terras doadas pelo Rei D. Manuel, não perdendo a propriedade, concediam a sua administração, o seu uso ao filho dos condes de Vimioso, D. Manuel de Portugal, mediante o pagamento de uma renda – um foro – àqueles frades: «oito mil reis em dinheiro cada ano».

Estes contratos enfitêuticos eram muitas vezes negociados por três vidas, renováveis; muitos acabavam por se perpetuar.

Como direito patrimonial, as propriedades aforadas eram deixadas em herança, o que foi acontecendo ao longo de quatro gerações sucessoras de D. Manuel de Portugal.

Portanto, quando o Rei compra a quinta de Belém, tem de ressarcir dois donos. Mas ao invés de pagar, na hora da celebração da compra, o total acordado – 13 mil cruzados para os frades jerónimos e 200 mil cruzados para o conde de Aveiras, D. João V compromete-se a pagar, anualmente e para sempre, uma tença, um juro calculado a partir daqueles valores totais.

Aos Aveiras, o monarca manda passar, pelo Conselho da Fazenda – hoje, diríamos o Ministério das Finanças – duas cartas com padrões de juro diferentes, espécie de títulos do tesouro. Os vendedores ficam, assim, detentores de dois documentos juridicamente credíveis e que lhes valem dinheiro, dois padrões de juro, «à razão de vinte cruzados por cada mil», no valor de 6500 (20 x 6500 = 130 mil) e de 3500 (20 x 3500 = 70 mil), portanto, perfazendo 10 mil cruzados, que correspondem, na mesma razão, aos 200 mil totais.

Ficou definido que os juros seriam pagos a D. João da Silva Telo de Menezes e à sua descendência todos os anos, no dia 4 de julho, dia da escritura de venda, preferencialmente pela Alfândega da Cidade ou, não sendo possível, pelo Almoxarifado dos Vinhos, serviços régios que acumulavam receitas.

Do negócio, foram testemunhas: o marquês de Marialva, o conde de Unhão e o conde de Valadares.

Multimédia

Percorra a galeria carregando nas imagens para ampliá-las e ler as respetivas legendas.

Escritura de compra da quinta de Belém - primeiro fólio ou folha. Armas, símbolo de nobreza, do conde de Aveiras. Retrato de D. Diogo de Mendonça Corte-Real, secretário de Estado de D. João V e seu representante na escritura de compra da quinta de Belém. Retrato do Rei D. João V atribuído ao pintor Pierre-Antoine Quillard. Terá sido pintado nos anos 20 do século XVIII, na mesma década da compra da quinta de Belém. Uma das bicas que dá o nome à sala de entrada do Palácio de Belém, do tempo do 3.º conde de Aveiras. O leão, aqui representado na carranca por onde brota a água, era o animal do brasão dos Aveiras. Como era o Jardim de Cima no tempo do conde de Aveiras, hoje chamado Jardim do Buxo. Pormenor de uma planta desenhada por Carlos Mardel e Lauriano Joaquim de Sousa, anterior a 1763. Gradeamento da frente do jardim mandado pôr pelo conde de Aveiras. Foi substituído por outro modelo, no final do século XIX, ainda hoje existente. Antes destes viveiros para aves exóticas, mandados construir pela Rainha D. Maria, já o conde de Aveiras tinha, nesta zona do Palácio, um pombal, como refere a escritura de 1726: «em forma de teatro ornado tudo com vários meios corpos de mármore». Pormenor do projeto do arquiteto Manuel da Costa Negreiros para renovar o palácio dos condes de Aveiras, no largo de São Cristóvão, em Lisboa. Estas obras foram feitas depois da venda da quinta de Belém. Imagem do número de setembro da rubrica MPR+.