«Estávamos ali fechados, falámos de tudo. Um dia, um de nós disse: "Vamos lá ver o que é que seremos daqui a 40 anos". Eu [Mário Soares] disse logo: "O Pomar? O maior pintor português". E ele [Júlio Pomar], não sei se foi para me ser agradável: "Tu vais ser Presidente da República". Realmente acabei por ser. E pedi-lhe a ele para me fazer o retrato [oficial]».
Entrevista de Anabela Mota Ribeiro, «Público», 2012
Amigos desde a juventude, Mário Soares, Presidente da República entre 1986 e 1996, encomenda a Júlio Pomar (1926-2018), em 1992, a execução do seu retrato oficial.
Camaradas na luta antifascista, como membros da Comissão Central do MUD Juvenil (Movimento de Unidade Democrática Juvenil), foram presos, em 1947, por incentivo à manifestação contra o regime, e levados para o estabelecimento prisional de Caxias. Aí, partilharam a mesma cela durante 4 meses: «Estávamos juntos de manhã, à tarde e à noite. Ele [Júlio Pomar] a desenhar, eu [Mário Soares] a ler… Era o que podíamos fazer». Foi, então, neste «cenário» que Júlio Pomar realizou o seu primeiro retrato do amigo Mário Soares.
Em [1991], para o que viria a ser o seu retrato oficial, Mário Soares apenas pousou uma tarde. O processo criativo foi feito através de fotografias, no ateliê em Paris, durante quatro meses. A cumplicidade entre ambos fez o resto. Paralelamente, Júlio Pomar presenteou Mário Soares com uma pequena tela com o estudo para o retrato.
Quando tornado público, o retrato oficial causou, desde logo, estranheza: «O Almeida Santos disse-me: "Ó Mário, você guarde esse retrato em casa, e faça uma outra coisa que se perceba melhor"». Rompendo com a tradição realista dos quadros expostos na Galeria dos Retratos do Palácio de Belém, Mário Soares surge representado numa pose descontraída, despida de qualquer formalismo e da solenidade inerente ao cargo, gesticulando como quem conversa entusiasticamente. A pintura é mais figurativa no rosto, onde o uso da linha assinala alguns pormenores, reconhecendo-se, de imediato, as suas feições, nomeadamente, o seu sorriso. O resto do corpo é tratado de forma mais abstrata, com recurso a pinceladas dinâmicas e soltas, que conferem uma aparente indefinição figurativa e materializam a mancha mais ou menos informe do fundo (rosa e azul), do casaco e da camisa. O elemento evocativo do poder é dado pela cadeira dos leões (do gabinete do Presidente), onde o retratado se encontra sentado. Talvez por isso, o tratamento da cabeça de leão, no braço da cadeira, é intencionalmente mais figurativo.
Sobre o quadro, os dois protagonistas disseram: «Não há dúvida de que é um retrato sensacional, porque me dá como eu sou» (Mário Soares); «O quadro representa Mário Soares como sempre o vi: "um ótimo conversador"» (Júlio Pomar).
Além da estranheza que o retrato pintado por Júlio Pomar continua a causar a alguns visitantes do Museu, muitas foram as interpretações que sobre ele se fizeram. Vale a pena conhecer algumas dessas leituras e caminhos sugeridos por Joaquim Bispo, na revista Samizdata.