No dia 30 de agosto de 1930, quando os relógios marcavam 19h, realizava-se a primeira chamada telefónica automática em Portugal. Era a primeira vez que, no nosso país, se telefonava para alguém de forma direta, sem intermediários. Até então, a comutação, ou seja, a ligação entre quem fazia a chamada e quem a recebia, era manual, sendo processada numa central telefónica pelas telefonistas, conhecidas como «meninas dos telefones» por ser uma profissão desempenhada exclusivamente por jovens mulheres. Com o aparecimento da comutação automática, as telefonistas perderam o protagonismo, o que em Portugal apenas se concretizou a partir de 1930. No entanto, a invenção das chamadas automáticas surgira no final do séc. XIX, tendo-se espalhado pela Europa a partir das primeiras décadas de 1900.
O inventor da comutação automática foi o norte-americano Almon Brown Strowger, proprietário de uma agência funerária na cidade de Kansas. Perante a perda de clientes para a outra agência funerária local, e desconfiando de que a culpada seria a telefonista que estaria a desviar as chamadas para o seu rival, Strowger desenvolveu, com a ajuda de um relojoeiro, um sistema telefónico sem intermediários, que patenteou em 1891. O Sistema Strowger introduziu nos telefones um disco com algarismos do 0 ao 9 que, discados um a um (correspondendo ao número do destinatário), acionavam o circuito telefónico. Cada um dos algarismos discados gerava uma sequência de pulsos elétricos que fazia acionar, na central telefónica, o comutador automático onde um braço rotativo, movendo-se passo a passo, completava a chamada telefónica. Por essa razão, o Sistema Strowger ficou também conhecido por «comutação passo a passo» ou «sobe e roda», devido ao movimento de subida e rodagem do mecanismo seletor de números. A invenção de Strowger revolucionou as comunicações telefónicas mundiais, e manteve-se em vigor até à década de 1970.
Em Portugal, o protagonismo da primeira chamada telefónica automática foi concedido ao Presidente da República, Óscar Carmona. No dia 30 de agosto de 1930, a imprensa foi convocada para testemunhar o feito histórico, na Central Telefónica da Trindade, em Lisboa, propriedade da Anglo-Portuguese Telephone Company (APT). O telefone utilizado foi um modelo de coluna fabricado pela Siemens Brothers & Co., adaptado para a ligação automática com o respetivo disco rotativo. Tendo em conta o simbolismo do ato, o aparelho foi pintado de branco e no disco foi colocada uma imagem da bandeira nacional. À hora combinada, o Presidente da República levantou o auscultador em forma de cone, colocando-o ao ouvido, discou o número 22846, pegou no telefone-coluna e falou para o microfone em forma de corneta, iniciando o seguinte diálogo:
«— Está lá? Donde fala?
— Da Presidência do Ministério.
— Quem está ao telefone?
— O chefe do gabinete.
— Daqui fala o general Carmona. Comunico a V. Exa. que acabo de fazer agora mesmo a primeira ligação dos telefones automáticos.
— Apresento a V. Exa. as minhas respeitosas homenagens e com a maior satisfação congratulo-me com o êxito deste novo melhoramento da Companhia dos Telefones.» (1)
Pelo aparato que nos mostra a fotografia desse momento, é fácil imaginar que se terão ouvido palmas e congratulações pelo feito histórico!
O Presidente gostou tanto do telefone que pediu para que o instalassem no seu gabinete de trabalho, ou seja, na Cidadela de Cascais, onde morava desde que fora formalmente eleito, em 1928. Continuava a ir ao Palácio de Belém sempre que se justificava, nomeadamente para receções oficiais, mas acabaria por residir, com a sua família, no Palácio da Cidadela de Cascais até 1945.
Entretanto, muita história correu desde esse telefonema histórico de 1930. O regime caiu em 1974 e as telecomunicações evoluíram a um ritmo que seria difícil de imaginar nessa altura. Não há muitos anos, fruto de uma colaboração entre o Museu da Presidência da República e a Fundação Portuguesa das Comunicações (FPC), o telefone utilizado por Óscar Carmona (que faz parte do acervo da FPC) regressou ao Palácio da Cidadela de Cascais para integrar o circuito das visitas guiadas. Assim, quando visitar o Palácio da Cidadela, não se esqueça de procurar o telefone que inaugurou o serviço automático em Portugal.
(1) Conversa reproduzida no Diário de Notícias de 31 de agosto de 1930 citada por Rogério Santos in Olhos de boneca: uma história das telecomunicações, 1880-1952, Lisboa, Ed. Colibri, 1999, p. 88.
[Uma nota de agradecimento a Isabel Manteigas e Dina Grácio, da Fundação Portuguesa das Comunicações, pela ajuda bibliográfica e pela cedência da imagem da inauguração do serviço telefónico automático.]
ESA