Quem visitar o Jardim Botânico Tropical vai encontrar uma palmeira com uma placa que diz:
«Plantada em 19 de junho de 1913 por S. E. o Dr. Manuel de Arriaga Primeiro Presidente da República Portuguesa».
Trata-se de uma Brahea edulis, da família das arecáceas (arecaceae), conhecidas como palmeiras. No rigor científico, não são árvores propriamente ditas.
Esta, na linguagem comum, é uma palmeira-de-Guadalupe, porque é originária da ilha mexicana de Guadalupe, no Pacífico. Hermann Wendland identificou-a, mas foi Sereno Watson, em 1876, quem apresentou uma descrição reconhecida pela Botânica, razão porque na identificação se lê: «Brahea edulis S. Watson».
Nem na imprensa, nem em documentação de arquivo, conseguimos saber mais sobre este ato do Presidente da República. Seria natural que tivesse havido troca de correspondência entre a direção do Jardim Colonial, ou mesmo entre o Instituto Superior de Agronomia, de quem aquele dependia, e a Presidência da República. Escolher a árvore, marcar dia e hora, definir quem estaria presente, são questões que terão sido decididas antes, seguramente.
Sabemos que no mesmo dia 19 de junho de 1913, segundo notícia publicada no jornal A Capital, Manuel de Arriaga visitou, no Chiado, a II Exposição dos Humoristas, no Grémio Literário, e a Exposição de Faianças Artísticas, de Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro, no seu ateliê.
O culto da árvore, como referiam na época, foi uma bandeira cívica e cultural do republicanismo, com os valores que a III República Francesa tinha difundido: a regeneração da natureza, imagem da regeneração do país, mas também a liberdade, a igualdade, a solidariedade. Com uma grande componente pedagógica – por isso, as crianças e as escolas foram importantes destinatários –, a República propôs esta festa cívica que, de alguma maneira, transferia o culto do sagrado católico para o culto da natureza, com a meta do homem novo: republicano, solidário, patriota.
As primeiras Festas da Árvore realizaram-se ainda nos últimos anos da Monarquia, já ligadas aos meios republicanos.
Logo em 1911, a Festa reuniu uma multidão na avenida da Liberdade, contando com a participação das crianças das escolas: foi plantada uma laranjeira junto à rua do Salitre, houve discursos na Sociedade de Geografia de Lisboa e animação com um coro infantil.
Mas em 1913, no ano em que o Presidente da República plantou a palmeira-de-Guadalupe, mexeu o país inteiro. Escolheu-se o dia 9 de março para assinalar a Festa Nacional da Árvore – assim se chamou oficialmente. Do norte ao sul, centenas de municípios festejaram a árvore antes, durante e depois da data marcada. Em Lisboa, logo em janeiro, o Seculo Agricola e a Associação de Beneficência do Campo Grande plantaram várias árvores no jardim do Asilo D. Pedro V.
Em março seguinte, com a dinamização do mesmo Seculo Agricola, o país – aldeias, vilas, cidades – encheu-se de festejos em torno da árvore; a revista Illustração Portugueza menciona o incrível número de «sete mil»!
Cortejos, discursos, hinos entoados – a Portuguesa, o Hino à árvore, a Sementeira, a Trova campestre, entre outros –, lanches, bodos, blusas, fatos e calçado para as crianças, sessões de teatro, poesia, enfeites – de tanto se compôs a Festa Nacional da Árvore. Um plátano (Gerês), uma oliveira (Vila de Pereira), uma araucária (Alter do Chão), uma palmeira (Alfama, Lisboa), um sobreiro (Vila Franca de Xira), acácias e olaias (Serpa) foram plantadas, entre muitas, muitas árvores.
Não espanta, pois, que o Presidente da República tivesse plantado esta palmeira, repetindo o rito nacional. Não espantará também a escolha, uma palmeira, num jardim vocacionado para o estudo e as aprendizagens da flora tropical e subtropical.
Se na conceção teórica da vida humana Manuel de Arriaga defendia uma unidade em sintonia com a natureza, esclarecida pela ciência e regulada pelo Direito, perspetiva que divulgou na sua obra Harmonias Sociais, também nos seus hábitos diários, simples, cultivava essa sintonia. A reportagem publicada na revista Illustração Portugueza, em janeiro de 1912, intitulada «O dia do Presidente», não deixa dúvidas. Manuel de Arriaga, ainda a viver no palácio da rua da Horta Seca – só se mudaria para o Palácio de Belém em julho –, passava os dias «entre os netos que ama e as flôres que aprecia». O dia começava muito cedo, ocupando-se das plantas: «cuidando-as, analisando as folhas, tratando com esmero as avencas formosíssimas», na varanda envidraçada da casa. Aqui pensava nos assuntos do Estado, «enquanto a vista tranquilamente [descia] para a verdura doce das plantas amadas». Seguia-se o terraço e, depois, o jardim, «outro grande encanto do Presidente da República».
A Festa da Árvore esmoreceu com a Grande Guerra, mas a palmeira que o Presidente Arriaga plantou não deixou de crescer; no próximo dia 19 de junho, estará de parabéns – contará 110 anos.
AT